O avião é a nossa unidade de negócios
No atual cenário da aviação civil, pilotos precisam mostrar capacidades de gestão, além de excelência técnica
Há 23 anos, quando Danilo Pereira de Oliveira teve o seu primeiro contato com a aviação, nem podia imaginar que um dia estaria no controle de uma aeronave – pelo menos, não da maneira como ele faz hoje. Aos 40 anos, o aviador é comandante de um Airbus A320 em rotas nacionais da TAM. E, mais do que isso, é um gestor da sua aeronave.
“Hoje, ser piloto comercial não é só ‘pé e mão’, como costumamos dizer. O avião é nossa unidade de negócio, e a tripulação é a nossa equipe. O profissional que começa agora tem de saber que isso será cobrado no mercado”, diz. A postura contribuiria, segundo ele, tanto para o aperfeiçoamento de serviços quanto para a redução de gastos nos voos e até a otimização de rotas.
Para profissionais de outras áreas de atuação, esse envolvimento gerencial é inerente às posições de chefia e não chega a surpreender, mas é um paradigma relativamente novo para os comandantes aeronáuticos, muito acostumados à excelência técnica e aos procedimentos rígidos, inspirados na disciplina militar.
Há quase uma década na empresa, Oliveira se viu envolvido há pouco mais de três anos em cursos e workshops que pretendiam desenvolver sua visão empresarial e suas competências de gerenciamento, claro que tudo adaptado à realidades dos ares. O chamado “Crew Resources Management (CRM)”, um treinamento que alia cuidados de segurança com métodos de comunicação e liderança, é um dos balizadores das qualificações dos comandantes, segundo ele.
As habilidades comportamentais são essenciais para os comandantes, porque a rotina dos aviadores é, digamos, sui generes. Embora todos os procedimentos técnicos sejam os mesmos em cada voo, cada viagem tem uma caraterística própria, seja por imposições do clima, pelas diferentes rotas e até pelas mudanças constantes na configuração da tripulação.
Quando Oliveira parte para um novo destino em seu A320, quase sempre é apresentado a um novo copiloto e a uma nova equipe de comissários de voo. O comandante garante não faltar assunto durante as viagens com os companheiros recém-conhecidos e, na verdade, ele gosta da oportunidade de sempre estar envolto pelas novidades: “Voar é uma oportunidade boa de conhecer gente nova, coisas novas”.
No entanto, o aviador tem de fazer um esforço no dia a dia para vencer a impessoalidade no ambiente profissional, muitas vezes agravada pelas diferenças hierárquicas das tripulações. “Temos de ser abertos para que qualquer pessoa da equipe, se tiver alguma dúvida, possa nos procurar.”
A visão empresarial mudou também o relacionamento com o público, na opinião de Pereira. Ao passar a considerar seus passageiros como clientes, ele passou a se atentar ainda mais aos comunicados nos voos. “Nós temos de dar as informações que o passageiro quer, que ele precisa, sempre ser verdadeiro, mas sem ser muito técnico”, diz. Em momentos de turbulência, por exemplo, o comandante deve fazer intervenções para tranquilizar os consumidores.
Na avaliação do diretor presidente da Wiabiliza Consultoria Empresarial, Jorge Ruivo, o movimento das empresas de aviação em direção à gestão é necessário e devia ter sido iniciado há muito mais tempo. “Esse cuidado tem de existir. Se o trabalhador tiver uma visão de negócio, do que está fazendo, poderá fazer o trabalho melhor”, afirma.
O especialista acredita que o acirramento da concorrência na aviação civil nacional e a necessidade de aumento de eficiência contribuem para que as companhias do setor busquem eficiência. “A empresa aérea é uma prestadora de serviços, e, nós, no Brasil, costumamos ser ruins nisso. Mas, se a concorrência se acirra, a situação tende a melhorar.”
A Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), formada pelas principais companhias do País, se articula neste sentido. A entidade criou uma espécie de MBA para abastecer os cargos administrativos das empresas, já que a formação dos pilotos é baseada fundamentalmente na técnica. “Nossa principal dificuldade desse curso é o registro no Ministério da Educação e Cultura (MEC), porque os pilotos normalmente não têm curso superior”, diz Adalberto Febeliano, consultor técnico da Abear.
Formação técnica. Na maior parte das vezes, a formação de pilotos se inicia nos aeroclubes, e não nas instituições de ensino. A qualificação de piloto privado, que habilita os estudantes apenas para voos particulares, requer que o pretendente realize um curso teórico e acumule pelo menos 35 horas de voo homologadas.
No Aeroclube de São Paulo, o curso teórico é passado em quatro meses e custa cerca de R$ 2 mil. Já as horas de voo são bem mais caras: custam em torno de R$ 400 – o valor varia de acordo com aeronave.
Quem tem pretensões profissionais, seja com táxi aéreo ou grandes empresas, parte para a habilitação de piloto comercial, exigindo que o aluno chegue a 150 horas homologadas de voo no caso dos aviões comerciais, além de um curso teórico de mais quatro meses.
Segundo o coordenador dos cursos do Aeroclube de São Paulo, Titus Roos, o tempo de formação até a entrada no mercado de trabalho pode se estender por aproximadamente oito meses, embora costume levar mais tempo por causa do preço. “No total, custa como um curso universitário”, diz Roos.
Uma grande empresa aérea exige ao menos 1.500 horas de voo homologadas como pré-requisito de contratação. Nelas, os profissionais passam por formações periódicas e testes para a obtenção ou manutenção de licenças de operação das aeronaves. Quando passam a realizar voos internacionais, eles ainda têm de mostrar domínio da língua inglesa.
Entrevista concedida ao Estadão Por Jorge Ruivo em 07/12/2014: http://economia.estadao.com.br/blogs/radar-do-emprego/2014/12/07/o-aviao-e-a-nossa-unidade-de-negocios-diz-comandante/