Tecnologia no campo exige treinamento e inclusão digital
Por Letícia Arcoverde | De São Paulo – 19/11/2018
Metodologias ágeis, treinamento com gamificação, profissionais capacitados para operar drones nas fazendas. Os avanços tecnológicos que estão transformando empresas e chegando aos departamentos de RH não pouparam as companhias do agronegócio. Para enfrentar os desafios específicos do setor como a distância dos grandes centros e a falta de conectividade nas fazendas, as empresas estão apostando em treinamento, programas de inclusão digital e tecnologias móveis. Na visão dos executivos do setor, esse processo caminha a passos largos e na esteira de uma profissionalização mais ampla demandada pela entrada de capital estrangeiro. Todas essas mudanças estão influenciando a estratégia de gestão de pessoas das empresas.
Na pesquisa “Valor Carreira – As Melhores na Gestão de Pessoas” deste ano, realizada pelo Valor em parceria com a consultoria Mercer, o agronegócio foi o setor com maior presença entre as empresas de destaque, contabilizando 6 das 35 vencedoras. Além de medir o engajamento dos funcionários, a pesquisa deste ano incluiu um índice de prosperidade que buscou identificar o quanto as empresas estão preparadas para crescer em um ambiente de negócios em constante transformação, levando em conta aspectos como a agilidade organizacional e adoção de novas tecnologias.
Há um ano e meio, a produtora de açúcar e etanol Tereos criou uma área de inteligência analítica específica para acompanhar a transformação digital da empresa. O departamento emprega cientistas de dados e estatísticos – vindos de diferentes setores como químico, automobilístico e de alimentos – para receber os dados registrados em tablets pelos operadores do campo, que observam variáveis de clima, aplicação de defensivos e manejo do solo, entre outros. Para acompanhar o ritmo, o RH agora também está estudando adotar uma ferramenta de “people analytics” para a safra 2019/20, usando dados dos funcionários para afinar o recrutamento e a retenção dos profissionais da companhia.
Na empresa de controle francês, os gestores das duas áreas agora recebem treinamento de “Scrum”, uma metodologia que surgiu na área de desenvolvimento de software e que propõe uma gestão de projetos mais ágil. Todos os funcionários espalhados pelas unidades da empresa têm acesso a uma plataforma de cursos on-line, no computador ou no celular. “A tecnologia não é e nem será capaz de substituir o contato humano, mas essas soluções ajudam os líderes a terem mais tempo para focar na gestão de pessoas”, diz Carlos Leston, diretor de recursos humanos. Para Jorge Ruivo, presidente da Wiabiliza, que atende o setor com recrutamento e consultoria em recursos humanos, o alto nível alcançado pela agricultura de precisão fez “subir a régua” tanto na demanda por qualificação dos profissionais quanto nas práticas de gestão. A entrada de capital estrangeiro criou a exigência de inglês para executivos e o desenvolvimento de planos de carreira e salários, algo que ele percebe em ritmo acelerado também nas empresas de menor porte, que ainda não contavam com a estrutura das grandes. “Um operador de máquina hoje tem que ter um perfil bastante diferente de anos atrás. Se ele não souber ler todos os instrumentos e interpretar os dados, ele estará perdendo produtividade”, diz.
A brasileira SLC Agrícola tem um comitê específico para pensar e desenvolver de forma centralizada as iniciativas de inovação da empresa, e criou um programa de inclusão digital para levar as tecnologias aos funcionários de todas as unidades, mesmo os que não têm tanto contato com a internet. Este ano a companhia criou um cargo novo para manter um profissional dedicado exclusivamente à agricultura digital em cada fazenda, com atribuições como monitoramento dos equipamentos de agricultura de precisão e operação de drones para obtenção de imagens. “O processo de transformação também passa pela reestruturação dos cargos e competências e pelo redesenho de processos”, diz Déa Machado, gerente de recursos humanos. Os gestores da empresa estão sendo treinados com “gamificação”, ou plataformas que simulam jogos, em temas como “liderança 4.0” e métodos ágeis de gestão, e um projeto piloto de treinamento usando realidade virtual está em andamento.
João Augusto de S. Castro, diretor de RH da gigante agrícola Cofco, que é controlada pelo governo chinês, diz que a tecnologia facilita muito o trabalho no setor, mas exige investimentos não só em equipamentos, mas em pessoal. “Uma colhedora de cana de quase R$ 1 milhão não pode ser operada por quem não está preparado”, observa. Dentre os treinamentos oferecidos pela empresa, só o focado na cultura da companhia tem seis horas de duração.
Jeffrey Abrahams, sócio-diretor do Fesa Group e responsável pela prática de recrutamento em agronegócio, destaca que a entrada de capital estrangeiro demandou profissionalização na gestão e mais transparência contábil, levando a exigências maiores nas áreas financeiras e de RH. No entanto, recrutar para o setor continua a ser um desafio pela localização das empresas – Abrahams, que trabalha com recrutamento executivo para o setor há décadas, diz que geralmente encontra menos candidatos dispostos a se mudar para o interior do que para uma vaga nas grandes capitais. “As oportunidades estão aí, e muitas vezes as pessoas não têm noção do potencial e da capacidade que existe fora do eixo Rio-São Paulo.”
O investimento em treinamento ajuda a compensar a dificuldade de atrair profissionais de outros lugares para o interior. Na argentina Adecoagro, que tem usinas no Mato Grosso do Sul, a gerente de desenvolvimento humano e organizacional Roseli Motta diz que a empresa prioriza os funcionários e profissionais da região para ocupar as posições que abrem, usando projetos de capacitação. Desde 2014, a empresa já formou mais de 800 profissionais com cursos de 300 a 680 horas para posições como motorista canavieiro e operador de colhedora e de trator. “Os desafios existem porque estamos em regiões rodeadas por cidades pequenas”, diz.
Tanto na Adecoagro quanto na Usina Monte Alegre, do mesmo grupo, os gestores são capacitados em uma plataforma “gamificada” desde julho deste ano, e o uso de tecnologias para a comunicação e o processo de recrutamento está sendo estudado. Os líderes operacionais da divisão agrícola são selecionados entre os funcionários e formados internamente em um programa de 560 horas.
Rebeca Lins, diretora de RH da Belagrícola, empresa paranaense controlada pela chinesa Dakang, considera que hoje um dos grandes desafios na hora de recrutar é encontrar profissionais que tenham intimidade com a tecnologia, mas também entendam a cultura do campo, onde “a tradição tem um peso muito forte”. Ela diz que a empresa passou por um grande processo de transformação digital com a implementação do sistema SAP, que ainda terá novas etapas a serem completadas. “Tínhamos um RH muito mais submisso e cumpridor de ordens. Agora ele passou ser mais estratégico”, diz.
(Colaboraram Camila Souza Ramos, Fernando Lopes, Sérgio Ruck Bueno e Lauro Veiga Filho)